FONOAUDIÓLOGA DA OS:) É ELEITA PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DO RIO DE JANEIRO
1- Qual sua experiência com Fonoaudiologia?
Este ano comemoro 30 anos como fonoaudióloga. A profissão acabara de ser regulamentada quando comecei, trabalhando com crianças com distúrbios de fala. Cresci junto com a Fonoaudiologia, uma ciência com um leque vasto de possibilidades de atuação.
Durante este percurso, para encarar novos desafios que se apresentavam, percebi a necessidade e a importância de aperfeiçoamento. Porque o fonoaudiólogo não atende só as alterações de fala, mas o idoso com dificuldade de deglutição (disfagia), o idoso com perda da fala (afasia), pessoas com câncer de cabeça e pescoço, problemas com o aprendizado, com a voz, enfim, muitas possibilidades. E, nesses 30 anos, tive o privilégio de atuar em diversas áreas.
Trabalhando com crianças com dificuldades de fala, de linguagem, e em uma Secretaria de Educação, senti a necessidade de me especializar na área da Linguagem. Quando surgiu a oportunidade de atender não só crianças, mas idosos também, um trabalho muito gratificante, busquei especialização em Fonoaudiologia Hospitalar e acabei coordenando uma Enfermaria para pacientes crônicos da Terceira Idade, o que me levou, também, a fazer Pós-Graduação em Gestão Empresarial. Sempre fui apaixonada por Linguagem, mas entendia a necessidade de, ao se trabalhar com a comunicação, ter o aperfeiçoamento na área de Voz, o que me levou a realizar o Mestrado nessa área.
Hoje, sou voluntária da ONG Operação Sorriso do Brasil, faço atendimento clínico e hospitalar, e sou fonoaudióloga da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC), onde atuo na área de Voz. Sou autora do projeto “Bem Estar Vocal e Corporal do Professor da Rede FAETEC”, e participo em parceria com a UERJ, também, no projeto de análise da qualidade de vida do professor no ambiente de sala de aula.
2- Como conheceu a Operação Sorriso?
Sempre participei de ações de cidadania em função da minha preocupação com o social, mas eram ações pontuais, sem continuidade do trabalho. No final de 2005, tive um problema de saúde e assim que me recuperei comecei a pensar em participar de uma ONG. Não sabia exatamente que tipo, nem o que fazer. Pensei em crianças, mulheres com câncer de mama, conversei com amigos e pesquisei na internet. E a vida seguia, eu trabalhando e estudando, sempre, e eis que surge o trabalho voluntário que eu procurava: a fonoaudióloga Eliana Midori apresentou a ONG Operação Sorriso do Brasil em um curso que eu participava e, mesmo faltando no dia da apresentação, por ser aquele dia o da defesa do meu Mestrado, um email algum tempo depois chegou para todos os alunos do curso. Era o início de 2008, ano que teríamos o primeiro Programa do Rio. Respondi ao email e resolvi ir à primeira reunião para conhecer e ajudar da maneira que fosse preciso.
Uma vez uma pessoa muito importante na minha vida, e por quem tenho um carinho todo especial, me disse que considerava o trabalho voluntário sagrado. Também sempre pensei assim. Quando realizado na pura intenção, ele se torna algo da ordem do sagrado. Por definição, “sagrado” é uma associação com uma divindade ou com algo considerado divino. Talvez por isso a gente se sinta tão bem e seja tão gratificante o trabalho voluntário.
3- Que trabalhos desenvolveu na Operação Sorriso?
O trabalho inicial não foi como fono. Comecei ajudando na organização do programa que chegava ao Rio pela primeira vez, em agosto de 2008. Arrecadava alimentos, como latas de leite, para a missão internacional, e depois colaborei na organização do alojamento para as famílias. Contatei famílias, fazia divulgação junto a prefeituras e outras instituições, fiz reuniões com novos voluntários, fiz palestras em faculdades e colégios, apresentei a Operação Sorriso em vários locais, enfim, tudo que estava ao meu alcance para que o trabalho se consolidasse e atingisse o maior número de pessoas necessitadas possível.
No ano seguinte fui convidada para atuar como fonoaudióloga. Em 2009, também estabeleci parceria com o Conselho Regional de Fonoaudiologia do Rio de Janeiro e divulgamos os objetivos da Operação Sorriso para diversos colegas de profissão. Em 2011, organizei o primeiro curso de capacitação para fonoaudiólogos do estado. Fui buscar fonoaudiólogos na rede pública para dar continuidade ao trabalho iniciado com a missão internacional. Porque não é só fazer a cirurgia reparadora, mas é preciso também oferecer tratamento fonoaudiológico para o fissurado operado durante nossas missões.
4- Qual importância do tratamento de fono para uma criança fissurada?
É de uma importância muito grande para a criança, para o jovem, para o adulto fissurado. A Fonoaudiologia é a ciência da comunicação humana. A comunicação é a base de uma sociedade. É importante para a inteligibilidade da fala que haja o equilíbrio da ressonância oronasal, e nos casos das pessoas com fissuras no palato tal equilíbrio não ocorre, porque temos a comunicação indesejada das cavidades oral e nasal. O efeito desse desequilíbrio provoca a hipernasalidade, escape de ar nasal e pouca pressão intra oral durante a produção de determinados sons.
Temos, então, como resultado a fala com hipernasalidade, conhecida popularmente como “fala fanhosa”. Essa é uma fala que gera constantes constrangimentos ao paciente em qualquer idade. O papel do fonoaudiólogo estará relacionado diretamente ao aspecto de reinserção social desse paciente, uma vez que as alterações e falhas no processo de comunicação poderão se tornar um fator de exclusão social, transformando essa alteração em um estigma. A Fonoaudiologia faz parte da equipe interdisciplinar que acompanha o paciente desde o nascimento, com as intervenções e orientações necessárias quanto a alimentação. Mesmo após a reconstituição cirúrgica do palato em muitos casos a fala irá continuar alterada, sendo importante também a atuação fonoaudiológica após a cirurgia.
Nas triagens das missões, para que não haja um comprometimento com a logística, sempre solicito para que a estação da fono fique no final. Isso porque, mesmo sendo um momento de triagem e avaliação, a carência desses pacientes e suas famílias em relação a informações sobre a fala é muito grande. Muito mesmo.
No último Programa do Rio não foram poucos os casos que chegavam na fonoaudiologia e relatavam que queriam fazer a cirurgia para correção da sua fala. Não foram poucos os pacientes que choraram naquele momento por conta das alterações da sua fala. E a gente se emociona, “engole” o choro, e continua trabalhando, com carinho e profissionalismo que todos os pacientes fissurados e suas famílias merecem.
5- Por que decidiu concorrer à presidência do Conselho Regional de Fonoaudiologia?
Poderia te responder que foi porque sou idealista e amo a minha profissão. A resposta estaria adequada, mas quando penso nisso agora acho que aconteceu de uma forma muito natural. Talvez fruto de um trabalho, de dedicação e de um fazer que acredito. Tinha sido convidada para compor a Comissão Eleitoral e naquele momento pensei que poderia colaborar de outra forma para a Fonoaudiologia. Não aceitei o convite e iniciei o processo de construção da chapa que iria concorrer as eleições. Gostaria de lembrar como o grupo que este ano assumiu como 10º Colegiado à frente do Conselho Regional de Fonoaudiologia do Rio se formou. São profissionais com 30 anos de carreira, como eu, e outros com 8, 7 anos de profissão, com um ideal em comum, que é trabalhar em prol da Fonoaudiologia, dando à profissão visibilidade e ampliando seu mercado de trabalho.
Somamos experiência e maturidade com a nova visão e os anseios de quem há pouco iniciou seu caminho profissional. Fui buscar o significado do termo “política” e vi que, de acordo com os gregos, um dos seus significados é “cidade”. Uma cidade que não se traduz em “espaço físico”, mas num grupo uníssono de pessoas. Queremos este significado: nossas ações conjuntas devem reproduzir essa tal cidade. Entendemos que o Conselho Regional não é uma “instância superior”, mas a representação de uma classe. E, para bem cumprir seu papel, precisa estar próximo aos profissionais que representa, ouvindo, aceitando sugestões e partilhando metas e ações. Saber ouvir, saber dialogar é uma competência profissional.
6- Quais são seus desafios e metas nessa nova missão?
Nossa plataforma é ampla e temos muito trabalho a ser feito. Mas para conseguirmos avançar é preciso construir parcerias sólidas com os mais diversos segmentos – conselhos profissionais das mais diversas categorias, secretarias municipais, nosso Sindicato, cursos de graduação e pós-graduação, instituições, ONGs e a classe fonoaudiológica. É preciso trabalhar, juntos, pela Fonoaudiologia como ciência e em defesa da saúde e educação de qualidade, para a conscientização e a valorização do saber fonoaudiológico e para a consequente autonomia política da Fonoaudiologia.
Precisamos sensibilizar secretários de saúde e vereadores, estar mais presentes nos conselhos municipais de Saúde e Educação e, principalmente, contar com a ajuda dos representantes municipais, fundamentais nesse projeto. Pretendemos retomar o processo de eleição para representantes municipais, porque a eleição entre os próprios fonoaudiólogos do interior fortalece a democracia e confere legitimidade à representação municipal. Nossa classe precisa ser mais política, no sentido de participar mais efetivamente de ações que consolidem a presença cada vez maior da Fonoaudiologia no dia-a-dia da sociedade contemporânea.
O Conselho já desenvolve cinco campanhas socioeducativas, voltadas para diferentes áreas de atuação, e vamos fortalecê-las cada vez mais. Estaremos presentes, cada vez mais também, em ações sociais de busca e construção de cidadania, como o Ação Global. Precisamos estar mais perto da população e, com os profissionais mais perto do Conselho, isso ganhará volume. Estar neste momento como Presidente do Conselho Regional de Fonoaudiologia é a meu ver, acreditar numa causa, arregaçar as mangas e trabalhar. Trabalho de equipe, confiança mútua, parceria e união. É nisso que acredito.