Nota do site: "Artigo publicado pela equipe do Projeto Genoma, da USP, parceiro da Operação Sorriso. A equipe do Projeto Genoma, coordenada pela Dra. Maria Rita Passos Bueno, trabalha durante os programas humanitários coletando material genético para análise e estudo. Essa parceria possibilitará inúmeras melhorias na prevenção, tratamento e estrutura do serviço de atendimento a fissurados existente hoje no Brasil e no mundo."
Publicado no periódico científico American Journal of Medical Genetics em junho de 2011, pelos autores : Brito LA, Cruz LA, Rocha KM, Barbara LK, Silva CB, Bueno DF, Aguena M, Bertola DR, Franco D, Costa AM, Alonso N, Otto PA, Passos-Bueno MR, e com o titulo “Genetic Contribution for non-syndromic cleft lip with or without cleft palate (NS CL/P) in different regions of Brazil and implications for association studies”.
Texto elaborado por Luciano A. Brito
As fissuras labiopalatinas são as malformações faciais mais comuns ao nascimento, acometendo em média uma criança em cada 700 nascidas vivas. Essas malformações apresentam um alto grau de variabilidade clínica (desde uma pequena cicatriz no lábio até a fenda completa no lábio ou no palato, uni ou bilateralmente). Além do esforço envolvendo a reabilitação da criança fissurada, uma das grandes preocupações de pais de crianças portadoras de fissuras labiopalatinas é entender os motivos que levaram ao seu aparecimento. São frequentes dúvidas a respeito de possíveis causas, sejam elas de natureza genética, quando algum dos pais questiona se a presença de um outro membro da família acometido pela fissura pode ter alguma relação com a malformação de seu filho, ou de natureza ambiental, quando os pais se questionam se algum hábito durante a gestação pode ter tido alguma influência.
Acredita-se que fatores genéticos e ambientais agindo em conjunto (mecanismo ao qual se dá o nome de multifatorial) sejam responsáveis pelo aparecimento das fissuras não sindrômicas (ou seja, aquelas não acompanhadas de nenhuma outra malformação, que respondem por 70% dos casos de fissuras labiopalatinas, abreviadas como FLPNS). Componentes genéticos, presentes no DNA e transmitidos de geração para geração, e componentes ambientais, como tabagismo e carência de nutrientes da mãe durante o primeiro trimestre de gestação, parecem, de alguma maneira, interagir e levar à falha do fechamento do lábio e/ou palato no período embrionário de desenvolvimento da criança.
Alguns estudos em diferentes populações do mundo têm estimado que a proporção do componente genético que determina a malformação, ou herdabilidade, é alta (América do Sul: 74%; China: 78%; Europa: superior a 80%), chamando a atenção para o papel importante da genética na etiologia das fissuras. O conhecimento da contribuição genética para a fissura na nossa população é de grande importância, pois pode nos dar dicas de como identificar os fatores genéticos ou ambientais causais das fissuras. Assim sendo, para respondermos esta questão, entre 2007 e 2009, aplicamos um questionário a 1042 famílias atendidas durante programas médicos da Operação Sorriso, provenientes de cinco localidades do Brasil (121 de Santarém-PA, 331 de Fortaleza-CE, 86 de Barbalha-CE, 188 de Maceió-AL e 316 do Rio de Janeiro-RJ). Os nossos resultados mostraram que na região de Barbalha há um maior número de famílias com vários membros com fissura lábiopalatina (3,4%) enquanto em Maceió é onde há a menor proporção de casos familiais (0,8%). As estimativas de herbabilidade para as FLPNS mostraram o maior valor para Barbalha (85%) e o menor para Maceió (45%). Embora as razões para a provável maior contribuição genética para as FLPNS em Barbalha sejam desconhecidas, estes resultados claramente classificam Barbalha e as cidades próximas no interior do Ceará como uma localidade promissora para o estudo de genes candidatos para as FLPNS. Por outro lado, fatores ambientais parecem ter um impacto maior para o aparecimento das fissuras maior em Maceió do que nas outras localidades.
Um outro resultado importante do nosso estudo é o calculo do risco de recorrência para futuros irmãos de uma criança afetada, que foi menor em Maceió (0,6%), seguido de Santarém (1,3%), Fortaleza (1,8%), Rio de Janeiro (2,0%) e Barbalha (2,9%). Estes resultados serão relevantes para o aconselhamento genético direcionado para cada uma destas cinco localidades, pois levam em conta as particularidades de cada uma delas.
Em resumo, nós mostramos neste estudo que o grau (índice) de contribuição genética para as FLPNS é em geral alto , mas varia entre regiões do Brasil, e que, para os casais que tenham um único caso de fissura na família, o risco de um segundo filho afetado é menor do que 3%. Estes resultados apresentados aqui também fornecem bases para novas diretrizes em estratégias de pesquisa para a identificação de genes de suscetibilidades às FLPNS, que, no futuro, podem contribuir para redução da incidência destas malformações.