A CANTORA

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Paredes revestidas de azulejos brancos, macas de metal encostadas nas paredes, cadeiras de rodas estacionadas nos cantos e o constante apito das máquinas de anestesia. O ambiente é frio e estéril. De repente, um vozeirão começa a ecoar e aquecer o ambiente. É Maria Hevellyn entrando para ser operada.

E o preço que eu pago

É nunca ser amada de verdade

Ninguém me respeita nessa cidade

Médicos que estavam transitando pelo corredor param para admirar a voz. Enfermeiros que estavam olhando para o celular levantam a cabeça para ver de onde vem a música. Quem está no centro cirúrgico para o que está fazendo por um segundo, sendo levado pelo timbre afinado e potente.

Sua família é tão bonita

Eu nunca tive isso na vida

E se eu continuar assim

Eu sei que não vou ter

Natural de Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, quase na divisa com Pernambuco, a família de Maria Hevellyn ficou desnorteada quando descobriu, na hora do parto, que ela tinha nascido com uma fenda no lábio. Os exames de ultrassom feitos durante a gravidez não mostravam nenhuma má-formação.

O médico os tranquilizou, explicando que existia tratamento cirúrgico para esse problema. A família foi atrás e, com apenas 1 ano de idade, em 2004, a menina conseguiu operar o lábio na missão humanitária de Fortaleza da Operação Sorriso.

Mesmo após o reparo do lábio, o dia a dia na escola não era fácil. “Me perguntavam o que era a marquinha (cicatriz) que eu tinha na boca e me davam apelidos maldosos”, lembra. “Eu ficava com raiva de alguns comentários e batia no pessoal. Minha mãe vivia sendo chamada na escola por causa disso”, conta a jovem.

O que fez essa situação mudar? A música.

Ninguém no colégio sabia que ela gostava de cantar. Até que marcaram uma apresentação de música e uma de suas professoras pediu que Maria Hevellyn cantasse. O medo quase a impediu de participar. “Tinha vergonha, nunca tinha cantado em público. Falei que não queria, mas me convenceram a fazer”, recorda.

‘Mau barquinho’, de Giselli Cristina, foi a música escolhida. Quando abriu a boca e soltou o vozeirão grave, todos ficaram maravilhados com o talento da jovem. Os apelidos maldosos se transformaram em aplausos e ela não parou mais! As professoras gravaram uma apresentação sua e postaram no YouTube. Foi uma chuva de elogios!

‘A cantora’, como ficou conhecida na escola, resolveu então investir no seu talento. Com o apoio da mãe, decidiu fazer aulas de violão, só que o professor morava em Cariri-Açu, cerca de uma hora distante de Juazeiro do Norte. Mas isso não foi um empecilho! Maria Hevellyn subia na garupa da moto e, junto com a mãe, viajava para as aulas.

O passo seguinte foi começar a se apresentar para outros públicos. Os shows em bares tinham um repertório de sertanejo clássico: Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Eduardo Costa, Marília Mendonça... “Sertanejo de raiz é minha paixão”, diz.

As apresentações, mais do que um sonho realizado, viraram também uma forma de ajudar na renda familiar. Ela mora com a mãe e a avó.

Com os sonhos pouco a pouco sendo realizados, novos foram brotando. Depois do violão, o novo objetivo era aprender teclado. Porém, ela não tinha condições financeiras de comprar o instrumento, então sua mãe organizou um bingo e conseguiu arrecadar o dinheiro para presentear a filha. As aulas eram dadas pelo mesmo professor da cidade vizinha. “Agora eu tô fera no teclado”, confidencia a jovem, com um sorriso tímido.

Depois do teclado veio a sanfona e a próxima ambição é aprender bateria.

Mas voltando ao histórico médico, Maria Hevellyn fez várias outras cirurgias nos anos que se seguiram, mas ainda faltava uma muito importante: o enxerto ósseo, para corrigir a falta de estrutura óssea próxima à gengiva. Esse procedimento é uma das últimas etapas no tratamento da fissura.

E, mais uma vez, o caminho da jovem cruzou com o da Operação Sorriso. Em 2017, a missão de Fortaleza foi focada na realização de enxertos ósseos e Maria Hevellyn enfrentou 8 horas de viagem para concorrer a uma das vagas. A longa jornada valeu cada segundo, pois ela foi uma das 58 selecionadas para cirurgia nessa edição.

A entrada no centro cirúrgico foi cantando “Amante Não Tem Lar”, cercada de celulares registrando a cena e de um grupo de voluntários acompanhando-a até a sala de cirurgia! Confira esse momento no final do vídeo da missão: youtube.com/watch?v=ax7yXrKtD50

O que o enxerto vai mudar na vida dela? Muito, principalmente a estética dos dentes. “Eu já uso aparelho ortodôntico que ajuda bastante, mas sem essa cirurgia nunca ia ficar 100%. E também acho importante pra quem é fissurado ver que eu canto sem vergonha da minha boca, e que qualquer um pode cantar também”, diz a talentosa artista com seu característico vozeirão.

Poucas semanas após a cirurgia, já vemos a jovem esbanjando seu talento nas redes sociais. Seu canal no YouTube exibe várias apresentações, todas com um sorriso aberto, que passou a ser sua nova marca registrada.

Fique ligado nesse nome; Maria Hevellyn ainda vai tocar na sua rádio!

 

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“Toda criança que nasce com deformidade facial é nossa responsabilidade. Se nós não cuidarmos dessa criança, não há nenhuma garantia de que outra pessoa o fará.”

- Kathy Magee, cofundadora e presidente da Operação Sorriso